sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Primeiras palavras sobre Abril despedaçado

A Emília me encomendou um post sobre "Abril despedaçado" e eu prontamente aceitei fazer porque com ele eu inicio uma série de textos que podem me ajudar a configurar meu doutorado. Estive pensando ontem sobre as recomendações (muito boas, por sinal) do meu ilustre orientador Adalberto Müller e resolvi desenhar num papel um esquema para os tais textos simultâneos que eu devo escrever. Um deles pretende comparar as representações do espaço sertanejo como imagem cinematográfica em filmes dos anos 50, filmes do Cinema Novo e filmes pós 90. Abril despedaçado está dentro deste último grupo, então, podemos começar por ele. O filme do Walter Salles é de 2001 e consolida o trabalho do belo Rodrigo Santoro no cinema (que já tinha feito o impactante Bicho de sete cabeças da Laís Bodansky). Num cenário desoladamente agreste, duas famílias disputam à bala alguns pedaços de terra. Um desfecho trágico incide sobre o destino de dois irmãos destruindo a família e rompendo fortes laços tradicionais defendidos pelo pai (maravilhosamente interpretado por José Dummont). As referências ao cinema de Glauber Rocha e aos tributários do Cinema Novo são claras: o espaço árido do sertão, as câmeras que acompanham as subjetividades do sertanejo, a referência idealizada do mar e, é claro, a saída final do personagem ao encontro do oceano são diálogos que o filme de Walter estabelece com o cinema de Glauber. O personagem do irmão mais novo não tem nome e é chamado "Menino", também uma referência aos personagens infantis de Vidas Secas de Graciliano Ramos, filmado por Nelson Pereira dos Santos, outro filme que será matéria de análise neste meu pretenso estudo comparativo. O que eu considero mais impressionante no filme é o modo como o trágico representado pelo destino da família é na verdade uma metáfora da condição do sertão: num conflito por uma terra que quase não tem valor, o sertanejo entrega sua vida e sua morte, e nessa situação de miséria e desesperança, expõe a sua irremediável condição. O sertão é aqui em Abril despedaçado, assim como foi no Cinema Novo, um espaço de discussão sobre os caminhos políticos de nosso país e de reflexão sobre as (im)possibilidades de configurarmos uma identidade nacional a partir desta representação. A casa da família de Abril despedaçado é uma mini-pólis que se esfacela diante da impossibilidade de resolução entre os interesses comuns e as subjetividades individuais. Deste conflito se engendra o trágico no filme de Walter Salles e é este mesmo conflito que, sendo analisado sob esta perspectiva, pode ser a chave para pensarmos e defendermos um cinema político nos anos 90 em diante. A beleza do plano-sequência em que Clara (a personagem de Flávia Marco Antônio) sobrevoa o céu do sertão dependurada por uma corda puxada por Tonho (Rodrigo Santoro) é marcante no sentido de trazer significados não apenas estéticos, mas políticos: um vôo violento, acrobático, que exige força e destreza, porém orquestrado e conduzido a partir do chão, da poeira da terra. O sertão é isso: uma complicada relação entre o desejo de liberdades e suas trágicas impossibilidades.

4 comentários:

elvinho disse...

hmmm... to sentindo o cheiro de introdução de algo interessante...
Qual deve ser o próximo? Vem de Glauber? ou do CENTRAL DO BRASIL???
Essencial... Walter Salles mais uma vez surpreende, mesmo acreditando que Terra Estrangeira seja seu melhor filme...
Menina esse seu blog tah ficando interessante, mto bom... mto bom mesmo...

Emile disse...

Brigada!!!

Emília disse...

Uau!
Foi bem melhor do q eu esperava!
Valeu!

Ewerton disse...

Ótima resenha!
E o título, claro, lembrou-me Guimarães... Haverá, nesse sentido, um "segundas palavras sobre abril despedaçado"? talvez desenvolvendo a idéia rosiana de que "o sertão é o mundo", o mundo sertanejo de abril... enfim, tudo viagem aqui na minha cabeça, essa cabeça geminiana, andarilha.
ah, concordo com elvinho, teu blog tá ÒTIMO!!!!!!