Eu ficaria muito satisfeita em não precisar de ninguém nem de nada que não fosse inanimado, que não fosse de papel ou que não pudesse ser gravado em uma mídia e reproduzido num aparelho doméstico com controle remoto e seleção de cenas. Eu definitivamente me realizaria se não sentisse falta de um abraço mais caloroso do que aquelas investidas duras e formais que a gente recebe nas salas de recepção das universidades ou nos consultórios médicos; eu estaria no mínimo menos frustrada se não sentisse falta de um jeito de olhar mais terno do que os olhos comuns que me fitam com desconfiança ou inveja; eu simplesmente estaria livre para continuar vivendo do desfrute de páginas e páginas escritas que contam histórias sobre seres e pessoas incríveis em suas aventuras e vidas tão mais belas e interessantes do que as histórias reais das vidas reais que a gente acompanha por aí, como nos capítulos de novelas ou na ascensão e queda de um bigbrother. Se eu fosse uma personagem de romance certamente que eu seria mais bonita e mais realizada em todos os sentidos e não estaria de forma alguma preocupada com os afetos e sensações que o mundo ordinário me provoca. Eu seria feita de letras, que se combinam em palavras e se organizam em orações perfeitas encaixadas cada uma na outra como um grande trem rumo ao imensurável, ao inexpressivo e ao indizível. Eu nem precisaria estar em 400 páginas como Anna Karennina ou Úrsula Iguarán, porque gloriosamente eu seria feliz, mesmo que minhas vísceras fossem arrancadas por um mal leitor indignado ou que eu fosse deixada de lado numa biblioteca escura e mofada, ou ainda que meus sinais gráficos caíssem sobre o colo de outro assustado leitor, como na bela foto acima que um amigo me presenteou, eu continuaria sendo irremediavelmente feliz.
Numa madrugada de sábado, Émile Andrade.
3 comentários:
Maravilhosa essa foto. Maravilhoso esse texto. A foto me lembrou o filme Mais Estranho que Ficção... O texto me lembrou que eu tb queria morrer um pouco...
Realmente, parece que essa foto foi feita para esse texto. E concordo com a Mari. Com seu discurso "percebi que eu tb queria morrer um pouco"
Vem cá, eu posso morrer só hoje? Porque hoje tá fodaaaaaaaaaa!!
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