domingo, 26 de abril de 2009

Eu, Ewerton e "Galiléia" de Ronaldo Correia de Brito

Não sei ainda como me comportar diante da tal reforma ortográfica. Dias desses eu entrei num blog cujo texto inicial dizia algo mais ou menos assim: "Esse blog se recusa a seguir as regras do acordo ortográfico". Achei engraçado, mas muito radical. Aí hoje eu fui fazer uma pesquisa no São Google (sim, eu confesso, a-do-ro!) sobre o livro que eu devorei há dois dias atrás e encontei um texto lindo sobre ele num blog chamado Paisagens da crítica de um cara muito bom chamado Julio Pimentel Pinto. Ao final de seu texto, sobre Galiléia de Ronaldo Correia de Brito, JPP diz que tentou escrever de acordo com as novas regras e que não foi proposital escolher para análise um livro que traz um acento em desacordo com as novas regras. Achei muito boa a coincidência e ainda mais bacana o fato do meu amigo Ewerton está aqui em casa justamente porque veio à Brasília dar um curso sobre... Reforma Ortográfica! Enquanto colocamos fofocas em dia, bebemos muita coca-cola e compartilhamos nossos sonhos e delírios, resolvemos nos inscrever num congresso que vai acontecer em novembro em Uberlândia. Muito impressionada com o livro de Ronaldo Correia de Brito, resolvi fazer uma comunicação sobre ele neste evento e aí fiz o famigerado resumo ainda agora. Não retirei ainda o acento de Galiléia, assim como JPP não o fez. Continuo achando que "estreia", "plateia" e "ideia" devem ser acentuadas. Enfim... Aqui vai o meu texto sobre o romance deste escritor cearense sensacional, além de uma dica de um link que traz um texto dele mesmo sobre seu livro. Até mais...
O sertão revisitado em "Galiléia": o sujeito em trânsito
A literatura contemporânea brasileira fez a opção de estabelecer-se no âmbito das metrópoles e suas contingências pós-modernas e relega o espaço sertanejo à produção realizada até o final dos anos 50. Grande sertão: veredas, com toda a sua magnitude, encerra uma série de obras cuja finalidade é interpretar o Brasil por meio da imagem do sertão, como observa Willi Bolle. O romance brasileiro, desde então, parece desinteressar-se desse tipo de representação, voltando-se mais para o retrato de um universo fragmentado, ambíguo e essencialmente urbano.
Na contramão da produção brasileira atual, o cearense Ronaldo Correia de Brito retoma a aridez sertaneja e publica, em 2008, o objeto de nossas observações neste estudo. Centrado no ambiente da fazenda Galiléia, o romance homônimo desenha-se a partir do trânsito de personagens que percorrem o sertão predispostos a reencontrar o passado, a encarar a trágica e violenta tradição familiar e a enfrentar seus fantasmas.
Contudo, o espaço sertanejo aqui não mais se configura mítica, política e esteticamente como em Os sertões de Euclides de Cunha, Vidas Secas de Graciliano Ramos ou Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa. Para Ronaldo Correia de Brito, assim como a metrópole, a imagem do sertão hoje também é fragmentada, ambivalente, recortada e (re)construída a partir de subjetividades e experiências individuais que compõem a identidade ou a busca dela pelos personagens. Com a máxima carga de afeto que os desvãos da memória podem proporcionar, a narrativa em primeira pessoa de Adonias descortina ao leitor a vigorosa travessia destes indivíduos que retornam ao lugar de origem para descobrirem-se estranhos e desenraizados em seu próprio território. Nem a força da imagem patriarcal nem a beleza das reminiscências da infância podem solucionar o dilema trágico da perda de referência e identidade do homem pós-moderno que, há muito, deixou de pertencer a uma terra natal. Por meio de seus personagens atormentados pelo passado comum, vinculado ao sertão, é possível depreender que em Galiléia só restam terras abandonadas, espectros amaldiçoados, pedaços de histórias mal contadas e mágoas indissolúveis, e que são esses restos os impulsos formadores de uma nova percepção deste espaço como o lugar do insolúvel e da impossibilidade de resgate.
O objetivo de nossas observações centra-se na possibilidade de entender o sertão a partir de um ponto de vista contemporâneo, que se coaduna com a crise identitária e a fragmentação do sujeito desterritorializado e tragicamente marcado pela instabilidade do universo em que habita. Na esteira dos estudos de García Canclini e Zygmunt Bauman, cabe a reflexão sobre as fronteiras entre modernidade e pós-modernidade, seus contextos e irradiações no mundo sertanejo, ponto de referência diverso e especialmente complexo, como representado no romance em questão.

Um comentário:

Júlio disse...

Émile
obrigado pela referência ao Paisagens.
E pela divulgação do Galiléia, livro de primeira.
Abraços,
Júlio